sábado, 29 de março de 2008

A noite dos vampiros (de Alma Welt)

Esta é a noite dos morcegos
Que cobrem o céu da pradaria
Com seu vôo em massa, nada cegos
E com única e formal sabedoria.

Mas estes não são os de temer,
Que estão aqui pelos insetos,
Mas sim os que posso perceber
Arrastando-se nas asas e repletos

Do sangue dos nossos bons novilhos
De que lambem as veias seccionadas,
Disfarçados e sinistros peralvilhos.

E é nas noites perigosas dos vampiros
Que me foram proibidas as entradas
No bosque dos segredos e suspiros...

(sem data)

sábado, 15 de março de 2008

Canto da lua pálida (de Alma Welt)

Vaga a vaga lua após as chuvas
No meu pampa como barca solitária,
Nave fantasma, revolta e passionária
Em farrapos sobre mar das minhas uvas.

Então saio pro jardim, vou ao vinhedo
Ao encontro da nave que me anima
A deixar-me lunar em seu segredo
Para saber o fim que me destina

Pois com meus alvos braços estendidos
Para o alto clamo a indagação
De quais os meus sinais e seus sentidos

E antes que a clareza se me esvaia,
Meus joelhos dobram e vou ao chão
Enquanto a lua pálida desmaia.


08/01/2007

terça-feira, 4 de março de 2008

Vinhedo amargo (de Alma Welt)

Havia aqui em nossa estância
Uma jovem peona colhedeira
Que amava um guri desde criança
Mas os pais a mantinham na coleira.

A verdade é que mesmo vigiados
Eles conseguiam se encontrar
Na hora da colheita ou dos cuidados
No meio do vinhedo, para amar.

Mas morto com um tiro no seu peito
Eis que o rapaz é encontrado
E o pai da moça foi suspeito,

Até que a guria tão sofrida
Revelou que outro era o culpado:
O irmão que a amara toda a vida.

(sem data)

segunda-feira, 3 de março de 2008

As ausências do Galdério (de Alma Welt)

Galdério, factotum incansável,
Vem ultimamente se ausentando
Com a sua charrete indispensável
Nos tempos do Vati aqui reinando.

Então hoje cedo fui mais fundo:
"Galdo, me permite perguntar
O que tanto fazes lá no mundo
Onde "gáltcho" como tu não tem lugar?"

"Não foste tu mesmo que disseste
Que querias morrer sem mais deixar
A planura onde está tudo que preste?"

Mas o gringo sério logo emenda:
"Princesa, tenho ido alimentar
O peão de quem mi madre foi a prenda."


09/11/2006

De sombras e aromas (de Alma Welt)

As sombras do passado desta estância
Continuam a crescer e a ameaçar.
As noites geram medos e a ânsia
De uma antiga dívida saldar:

A do boche, o nosso avô Joachim
Que ao comprar a terra em desgraça
Deixou pros meus irmãos e para mim
Um patrimônio com peso de uma raça.

Aqui acamparam os farroupilhas,
Nesta mesa além do clã do Valentim
Sentou Bento Gonçalves com as filhas.

Sete mulheres deitaram-se nos quartos
E ainda sinto o cheiro do alecrim
E os gemidos dos amores e dos partos...

05/12/2006

domingo, 2 de março de 2008

O cavaleiro (de Alma Welt)

Quando guria eu andava pelo prado
A colher flores do campo, já contei,
Mas algo aqui eu nunca revelei
Que é como encontrei-me com meu Fado.

No meio da extensa pradaria
Vinha vindo o cavaleiro embuçado,
Até que ao deter a montaria
Pude sentir-lhe o hálito gelado:

"Alma, continua a colher flores,
Já que tens o dom da arte e da poesia,
Mas não terás sossêgo nos amores."

"Com convivas, trinta e cinco, e uma vela,
Espera-me à mesa, eu volto um dia
Pra levar-te, prenda minha, nesta sela".


02/01/2007

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(Republicação):

Visão (de Alma Welt)

Ser a musa eternizada do meu pampa!
Cantar, celebrar e endoidecer
De tanto amar até saltar a tampa
Do coração e da mente, e então morrer!

Nua, estranhamente, sobre a mesa
Estendida me vejo, uma manhã:
Um desfile silencioso me corteja
De peões, peonas e algum fã.

Mas olho o meu corpo de alabastro,
Absurdo e belo ali, e não à toa
Eu noto algo nele que destoa:

Sobre a alvura do pescoço bailarino
Uma faixa vermelha como um rastro
Da corda que selou o meu destino...

03/01/2007

sábado, 1 de março de 2008

À deriva (de Alma Welt)

Altas horas, silêncios rumorosos
De grilos, de sapos e os estalos
Do casarão com seus nichos tenebrosos
Por onde o Tempo escorre pelos ralos.

A casa arfa, suspira, sofre e geme
Com o peso de sua circunstância.
Como um barco náufrago, sem leme,
Que já não disfarça a sua ânsia,

A ausência do piloto é um mistério...
A poetisa, o jogador e a cosinheira
E um contra-mestre com nome de gaudério

Somos pois os tripulantes que vagamos
Dentro de uma nave sem esteira,
Não sabemos mais quem somos e onde vamos.

15/01/2007

Vozes no casarão (de Alma Welt)

Esta noite ouvi tristes lamentos
Pelos corredores desta casa.
Estava eu imersa em sentimentos
E pensei: "É minha alma que extravasa."

"Sou eu, sempre eu mesma, vem de mim!
Meu ser carrega a dor do mundo
Junto com o seu amor sem fim
Vindo do meu cerne mais ao fundo."

Mas o som parecia vir do ar
E outro que não a minha voz,
Não me deixava me enganar:

Era o cantochão da Açoriana
Confrontando o "lied" dos avós,
A confundir esta Alma pampiana...