domingo, 21 de junho de 2009

A casa vazia (de Alma Welt)

Minha casa imensa ora me assusta
Pois foram-se os amigos e parentes
Minha Mutti há muito não me susta
Prazeres que achava impertinentes.

Pois que ela também, há muito, foi-se
E Solange a seguiu, depois Alberto.
Todos eles... mas a tal dama da foice
Deixou minha data ainda em aberto.

E Geraldo, não mais que um bandido
E de minha doce Lucia um mau marido
Que ousou muito abusar desta guria,

Esse não faz falta e ainda me assombra
Com espectros trazidos da coxia
Do palco que agora vive em sombra...

29/12/2006

Nota
É estarrecedor pensar como a guria do pampa sofreu, vendo seu "palco" se esvaziar, e o fantasma de seu estuprador ainda a assombrá-la...
(Vide o romance O Sangue da Terra):
http://romanceosanguedaterradealmawelt.blogspot.com

quinta-feira, 18 de junho de 2009

O cavalo de fogo (de Alma Welt)

Por aqui o cavalo vai sem meta
Todo em chamas a vagar na pradaria
E me lembro do outro, o do poeta
Lima que seu livro incrível lia.

E hesitamos, eu, Rodo e Galdério
Em segui-lo à distância pela noite
Pois seu rastro deixado como açoite
É como aquela luz de cemitério,

De santelmo, como dizem marinheiros
E o gaucho que se esvai em pleno pampa
O avista nos momentos derradeiros

Quando segurando o ventre rubro,
E da coxilha a galgar última rampa
Segue o íncubo cavalo que descubro...

(sem data)

quarta-feira, 10 de junho de 2009

O embuçado (de Alma Welt)

Galdério, ó Galdo, o que é aquilo
Que vimos, embuçado, pela estrada
Quando íamos a passo bem tranqüilo
E então me vi sobressaltada?

“Alma, patroinha, não é nada,
Aquele não é senão Judas Leproso,
E a sineta de som pouco lamentoso
Ele agita pra afastar a peonada,

Que de longe lhe deixa o de comer
Pois dinheiro não lhe querem pôr na mão,
Que outros não iriam receber...

E a pobre alma penada é intocável,
E morrerá sem que jamais nenhum peão
Le mire a face morta e deplorável...”

(sem data)

Reminicências (de Alma Welt)

Outrora eu ia nua até a fonte
Buscar água e ervas milagrosas
Que aprendia com mestre Quironte
O mago das quatro patas grossas.

Nos sagrados bosques de Elêusis
Fui discípula daquele sábio nume,
E por colegas tive semideuses
Cultuando do mestre o claro lume.

E ninfa eu mesma fui ou me tornei,
Perdoem-me vocês a bizarria
Aparente do que agora me lembrei,

Pois o que fluente a mente aborda,
Reparem, não é nenhuma algaravia
Mas aquilo que a alma ainda recorda...

(sem data)

terça-feira, 9 de junho de 2009

O nevoeiro (de Alma Welt)

Chegou a estação dos nevoeiros
Que erguem na campina denso muro
E faz tremer valentes e vaqueiros,
Pois pra eles ali mora o lado escuro.

O bosque proibido está imerso
Na bruma da fantástica neblina
E não haverá um ser perverso
Que não habite além desta colina.

De branco então entro em névoa alva
Para espanto do Rodo e do Galdério,
Como adentrasse à noite o cemitério.

Nessa nuvem densa e silenciosa
Eu encontro meus seres, sã e salva,
Pois da mesma natureza esplendorosa...

06/06/2005

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Vento, cavaleiro (de Alma Welt)

Vento, cavaleiro da colina,
Vem buscar-me, ó vento da manhã,
E leva-me contigo à outra sina,
Não me deixes morrer de forma vã.

Deixa-me voar, sou toda aérea
E minha pele é clara como o ar
Sou filha dos elfos, quase etérea
E não queria à terra assim baixar.

É por isso que alço os meus sonetos
E deixo o corpo por instantes
Que é a minha forma de ficar

Entre sonhos e espectros constantes
Que me instigam e lançam os motetos
Que me doam as asas pra me alçar...

(sem data)

As vozes do Tempo (de Alma Welt)

Levanto-me ao ouvir os sons da noite
Que aos outros parecem inaudíveis,
Não de grilos e sapos, sons tangíveis
Do Tempo, onde quer que ele se amoite

Pois de dia se evaporam e exalam
Sob o azul que quer só o presente
Ao vento das campinas onde calam
Os talos do capim que se ressente.

E como os que estiveram deste lado
Eu me vejo desde uma outra infância
Auscultando os sussurros do passado

E a verter das noites para os dias
As vozes gravadas à distância
No silêncio destas velhas pradarias...

(24/05/2006)

A Era romântica (de Alma Welt)

Eu já estive nesta casa, eu o sinto.
Sentava-me à mesa como agora,
Os convivas se enchiam de absinto
E tardavam muito a ir embora.

Mas me lembro de um que era sóbrio
E notando meu desgosto e desalento
Para evitar-me algum opróbrio
Me convidava a passearmos ao relento.

E eu já então chegada ao verso
Declamava para ele minha poesia,
Concentrando seu olhar nada disperso.

“Abandonei os bebedores comezinhos”
-ele com olhos marejados me dizia-
“E me embriago agora de outros vinhos...”

08/03/1990

Nota
Alma quando estudou na Alemanha, foi à França e visitou parentes na Alsácia-Lorena, terra de nossa avó Frida, e disse ter sentido a sensação de já ter estado na vetusta casa onde aquela nasceu e morou até a juventude. Então escreveu este soneto que expressa essas sensações, que ela considerou reminiscências de uma sua encarnação na “era romântica”. Resta saber quem foi esse interlocutor...
(Lucia Welt)

Ofélia (de Alma Welt)

Hoje o dia amanheceu enevoado
Evocando antigas brumas de Avalon,
Mas levanto e capricho no penteado
Em bandós e nem um toque de baton.

E com uma saia longa e meu chale
Me vejo um tanto mais vitoriana
A vagar numa charneca ou num vale
Como Tess, e muito menos pampiana.

Então, triste e encarnada no papel
Vou até o soturno lago meio opaco
E me inclino sobre águas como um véu

Que me nega as luzes que preciso
Para mirar meu rosto ainda que fraco
E mais para uma Ofélia que Narciso...

10/01/2007

A abantesma (de Alma Welt)

No riacho que produz minha cascata
Costumo vadear erguendo a saia,
Ou “vadiar”, diz Matilde caricata
A frisar minha brancura que desmaia.

Ou então, ela diz, "faz desmaiar",
Pois pudica que é, quer alertar-me
Ou prevenir que o povo vai acreditar
Qu’é d’uma abantesma este meu charme.

Mas estou mais inclinada ao nu total
E há muito que com Rodo ou sozinha
Sou eu a alva ninfa em meu quintal.

E o povo a lenda ama e perpetua:
“Visagem” sou da branca patroinha,
Que muito hei de vagar à luz da lua...

08/06/2005

Plantei um poema em meu jardim (Alma Welt)

Plantei um poema em meu jardim,
Mais secreto e apto a dar flores
E que oculto permanece quieto assim
No tempo em que se agitam os amores.

Enquanto a juventude canta e geme
Lançando sua semente aos quatro ventos,
As minúsculas embarcações sem leme
Que vão dar às praias e tormentos,

Esta semente do poema da velhice
Lança suas raízes bem mais fundo
Antes de alcançar a superfície.

Pois meu poema sábio e despojado
Ainda não nasceu e é tão calado
Que talvez nem seja deste mundo.


05/10/2006

Os Tempos e os Ventos (de Alma Welt)

Inolvidáveis tardes do meu prado
Quando em silhueta e uma aura
O adeus deste poente agraciado
O rubro dos cabelos me restaura

E junto ao grande umbu frondoso
No alto da colina em pleno pampa
Me vejo tal qual aquela estampa
Do vento que levou o nosso gozo

E então retorno e subo ao casarão
Que anoitecido desperta suas memórias
Como os guris a deslizar no corrimão

De seus jovens sonhos revividos
De outros poentes e outras glórias
De tempos e ventos esquecidos...

(sem data)

Memórias farroupilhas (de Alma Welt)

Pelas trilhas em volta do sobrado
Que se eleva sobranceiro na planície,
A fachada como a face de um barbado,
Com sua decantada esquisitice,

Recoberta pela hera e não grisalha
Conquanto mais vetusta que a do Vati,
E que sobe a parede até a calha
Com sua textura cor de mate,

Eu perambulo nos dias e nas noites
Procurando senhas e vestígios
Dos antigos farrapos e prodígios

Que me são anunciados por murmúrios,
Gemidos de cilícios, seus açoites,
Os vôos da memória e seus augúrios...

17/11/2006

O dia e a noite (de Alma Welt)

Os últimos albores na planície
Costumam me levar à compreensão
Súbita e fugaz da imensidão
Contra o humano limite e superfície.

Eu sei, o sol é Deus e é visível,
Olho severo mas sensível e amoroso
Que doura o nosso mundo compreensível
Pra mergulhar depois no duvidoso.

E assim, o que o sol nos esclarece
O sono desmente ou desvirtua
E temos que rever o que parece.

Agora em suas sombras e estigmas
A noite das estrelas e da lua
Nos convida ao sonho dos enigmas...


(sem data)