sábado, 15 de dezembro de 2012

Memória de outro olhar (de Alma Welt)




 The Quarrel of Oberon and Titania - by Sir Joseph Noel Paton RSA (1821-1901)
      (after Midsummer's Night Dream from William Shakespeare)

Memória de outro olhar (de Alma Welt)

Já não entro no meu bosque como antes
Quando podíamos ver as fadas e duendes,
Eu e Rodo quando éramos infantes
E à rainha levávamos presentes...

Nosso olhar mudou, e nossa mente
(pelo menos vemos aves e insetos),
Perdemos a candura, simplesmente,
Sobrou-nos a matéria, os objetos...

Mas as puras almas se evolaram
Como a “cânfora na aurora” do poeta,
E só temos as memórias que sobraram.

E recorro aos sonetos delirantes
Que é a minha maneira predileta
De voltar a ser criança por instantes...

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Eu, fantasma (de Alma Welt)


Não deixarei mais a minha estância
E aqui ficarei como um fantasma
Como os que vejo desde a infância,
(uma única vez com medo e asma).

E já me vejo a vagar pelas coxilhas
Libertada do peso da matéria
Mas ainda a admirar as maravilhas
Qual se já não fosse sombra etérea...
Assim me imagino dentro em breve
Embora reconheça a ingenuidade
Dessa idéia de morte, assim, tão leve.

Mas deixar não posso a minha mente
Ir nos ventos da cruel realidade,
Senão caio fulminada, de repente...

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

O Círculo Mágico (de Alma Welt)


O Círculo Mágico (de Alma Welt)

Congreguemo-nos em torno do carvalho
Como outrora o faziam os druidas.

Oficiante, mostrarei o quanto valho
E então renovaremos nossas vidas.

Se eu deixar cair as minhas vestes
Sugiro que o façam igualmente.
A nudez é o maior dos nossos testes,
A pureza ficará mais evidente.

Pois aqueles que disserem: “Não consigo”
E tentarem se cobrir envergonhados,
O anátema carregam, tão antigo...

E teremos que refazer o anel
Somente com aqueles mais ousados
Que religarão a terra ao céu...



segunda-feira, 9 de julho de 2012

Os Poetas Vagam (de Alma Welt)


Os espíritos vagantes dos Poetas
Vêm aí pelas estradas da coxilha

Como andarilhos pouco ascetas
Parando pra beber de milha em milha,

Quando passam por aqui, Sta Gertudes,
Estância bem antiga, hospitaleira
E de ares fidalgos, nada rudes,
Com taças de cristal na cristaleira,

Entre os brindes bebemos todos juntos
Com canções dos velhos tempos farroupilhas
Esquecendo que lidamos com defuntos.

Mas quando o meu Maestro* principia
A falar na beleza de suas filhas...
De pudor minha pele se arrepia! 



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Nota

*Maestro -  Alma e seus irmãos (Solange, Lucia e Rodo) chamavam seu pai de duas formas: Vati (pron. Fáti, "papai" em alemão) e Maestro, pois ele era um excelente músico amador , pianista erudito que tinha um Steinway em sua biblioteca na estância, e tocava maravilhosamente os românticos (Schubert, Chopin, Lizst, Mendelsohn, Beethoven...)

quinta-feira, 24 de maio de 2012

O Rei dos Elfos (de Alma Welt)


O Rei dos Elfos (de Alma Welt)

A charrete aos trancos balançava
Enquanto o vento mais zunia,
E eu no Galdério me agarrava
E mesmo sem fé a Deus pedia:

“Senhor, fazei com que cheguemos,
Se um raio nos pega estamos fritos!
Rei Mino libertou os sete demos *
Que somente nos querem ver aflitos!”

E de repente no meio da tormenta
Me lembrei daquele rei dos Elfos *
Que a criança ainda me atormenta.

Mas mesmo com a mente em tempestade,
Confundindo gibelinos com os guelfos,

Cheguei sã e salva à minha herdade... *
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  Notas

*Rei Mino libertou os sete demos -Alma chamava o Minuano, vento que ela temia, de Rei Mino. quanto aos sete demos presumo, que é uma alusão aos sete pecados capitais.

 *Me lembrei daquele rei dos Elfos - Alma certamente alude ao poema O rei dos Elfos, de Ghoethe, que foi musicado como um magnífico "lied" por  Franz Schubert. 
*Confundindo gibelinos com os guelfos- Alma se refere aos dois partidos políticos que dividiram a Europa desde o século XI até o século XIII, numa disputa sangrenta ente os partidários do Sacro-Império Romano- Germânico (os gibelinos) e os partidários do Papa (os guelfos). Ela quer dizerm dessa maneira insólita e original, que mesmo confusa, apavorada, com a tempestade na mente, ela chegou à sua estância, sã e salva.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

A Travessia (de Alma Welt)

                                                                           The Sin - Henry Fuseli 1741 - 1825

A Travessia (de Alma Welt)


A grande noite escura atravessei
E bem próxima do último portal,
Confesso, tive medo e estaquei
Por ter um coração frágil e mortal.

Eu via ali a sombra de mim mesma
Que me acenava assim, meio sinistra.
Era eu a minha própria abantesma
Que o meu lado escuro administra.

Então lembrei-me de outro Bardo
Que se defrontou com o Pior
Quando já destilava a flor do cardo.

E gritei pra mim: “Irei em frente,
Não poderá haver horror maior!”
E escapei de mim relando rente...

quinta-feira, 3 de maio de 2012

O Sono da Erva-Mate (de Alma Welt)





O Sono da Erva-Mate (de Alma Welt)

Quando cai a noite aqui na estância
E silêncios começam, entrecortados
Pelos primeiros sons de circunstância
Como os grilos e sapos despertados,

É a hora dos latidos dos cachorros
Como a saudar a Noite que chegou
Com o brilho das estrelas em seus jorros
De luz que espaço-tempo atravessou.

Então começa a revoada dos vampiros
Atrás das pobres reses e os cavalos
Não obstante uns esparsos falsos tiros

Pois aqui não admito que se abate
Nada que se mova nem nos valos
Que conduzem ao sono da erva-mate...

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Alma Welt não morreu. Em Glastonbury, a barca cruzou as brumas e a levou para o mundo das fadas.” (Jorge Lima*)


The Lady of Shalott- John William Waterhouse (1849-1917), pintor "pre-rafaelita" inglês, The Tate Gallery, London
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*Jorge Lima apareceu com grande argúcia no debate ocorrido sobre a existência ou não da poetisa Alma Welt promovida pelo escritor e jornalista Milton Ribeiro no seu blog, e de que participei com prazer, tentando esclarecer certas dúvidas. Mas a verdade é que não consegui dissipá-las devido à natureza intrinsecamente misteriosa da divina poetisa Alma, minha irmã, e senti que a dúvida sobre a sua existência real entre os debatedores permaneceu de pé. Não posso provar que um ser assim, tão belo, tão amplo e profundo, viveu em carne e osso entre nós. (Lucia Welt)

*Glastonbury - Pra quem não sabe, é uma abadia em ruinas na região de Cornwall (Cornualha) próxima à antiga e desaparecida ilha de Avalon, e onde, no séc VII teria sido descoberto o túmulo do rei Arthur, dois séculos depois de sua morte, e em cujo caixão estavam também os ossos e o cabelo louro de Guinevere. O túmulo e os esqueletos desapareceram de novo desde então e continuam a ser procurados por arqueólogos até hoje, a despeito da teoria de que o rei Arthur, sua esposa Guinevere, sua corte de cavaleiros da Távola Redonda, a Fata Morgana e o mago Merlim não passem de personagens de uma lenda genial contada por uma cadeia de poetas a partir do século XV. A região é rica de passado celta, cheia de brumas no inverno e tétrica.
Há alguns anos acontece em Glastonbury, no verão, um fabuloso Festival de Artes, que veio substituir com sucesso o da ilha de Wight, e onde o mundo hippie parece renascer.


A Dama do Lago- óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 1977, 110x140cm, coleção Fernando Carrieri, São Paulo, Brasil