sexta-feira, 25 de julho de 2008

Palavras à cigana (de Alma Welt)

Rafisa, lê depressa a minha palma
Mas não pares no meio da leitura.
Sempre o fazes como se uma ruptura
No fio do destino desta Alma.

Eu vejo como fechas minha mão
E o disfarças com um beijo ou sorriso.
Mas não conténs, cigana, o coração
E teu peito que ofega, em prejuízo

Do segredo do que é meu e tu me deves,
Pois se és vidente e quiromante
Honra a tua fama, a mal não leves,

Vai, revela tudo, não importa
Se a Morte for um hóspede galante
Que está prestes a bater na minha porta...

05/01/2007

O claro e o escuro da Alma (de Alma Welt)

Amanhã verei meu ser refeito
E envolto em aura, libertado,
Serei o ser que sou, o ser eleito
De mim mesma, aceso, iluminado.

Farol na noite eterna de esperança
Ou sol no dia claro sempiterno,
O timbre escolhi eu desde criança
Ao escolher o amor, o bom e o terno.

Mas, bah! se o Cerro esfria e escurece
E pelas faldas onduladas de coxilhas
Do Jarau o minuano escorre e desce,

Da alma o lado escuro me fascina
Ao perceber o quanto, sim, ele me anima,
Esse contraste que produz as maravilhas!

(sem data)

Noite Xamânica (de Alma Welt)

Quando a noite é quente em meu jardim
Me ponho na varanda, excitada,
E logo vou sair fora de mim
Para livre me sentir, e mesmo alada.

E vôo, ah! eu vôo sobre as flores
Pra de cima divisar o meu quiosque
Em que um dia iniciei-me nos amores
Pra depois consagrá-los no meu bosque

Onde então me torno loba ou cadela
Ssschhh! a grande coisa, um sábio disse*,
Exige que jamais falemos dela,

Pois me sinto voltar ao animal,
Enquanto vultos negros como piche,
Com seus lumes já me espreitam como tal...

29/06/2006

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Reencontrando o general (de Alma Welt)

Amarrei minha montaria no mourão
Adentrando então a estância estranha.
No peito eu sentia o coração
Pulsando como os palpos de uma aranha

Que aguardasse a si mesma como presa
No centro de uma teia que era o mundo.
E assim eu caminhava muito tesa,
A sentir que o momento era profundo.

Então me vi diante da varanda
Do herdeiro de meu Netto general,
Que tirou o chapéu, como se manda

E mostrando os cabelos cor de nata
Disse: "Voltaste, minha princesa, meu Graal,
Que te espero, há muito, desde el Plata."

(sem data)

terça-feira, 22 de julho de 2008

A fronteira (de Alma Welt)

Venham por aqui, ó Lucia, ó Rodo
E também a Solange, o bando todo...
É uma senda estreita no final
Que leva à Salamanca do Jarau!

É, sim! Eu descobri aqui na estância
O tesouro do gaúcho, é vero! juro!
Na entrada, sei, é um pouco escuro
Qu'isto não é nenhum jardim da infância.

Mas olhem, prometam, não espalhem,
A Mutti não pode saber disso,
E as preces da Matilde nada valem

Se formos proibidos de brincar
E descobrir o mundo fronteiriço
Que há além das uvas no lagar...

11/05/2006

terça-feira, 8 de julho de 2008

Memória do bosque sagrado (de Alma Welt)


Bosque Sagrado (Heiliger Hain) 1886- Arnold Boecklin (1827-1901)- Hamburger Kunsthaller


Memória do bosque sagrado (de Alma Welt)

Esta noite irei ao meu pomar
Acender a pira dos meus deuses
Ali eles verão eu me ajoelhar
Como outrora no bosque de Elêusis.

E ao ver o fumo branco ascender
Do nosso mate em proporção secreta,
Eu me regozijarei ao perceber
Que os deuses aceitaram minha oferta.

E então eu abrirei meu coração
Para que vejam o ardor do meu desejo
Que não exclui pureza e devoção,

Pois quero somente preservar
A união de todos em que vejo
A mesma solidão, o mesmo olhar...

24/12/2006

Nota
Encontrei na arca da Alma esta reprodução de quadro de Arnold Boecklin do acervo do Hamburger Kunsthalle, em cartão postal onde no verso ela escreveu este soneto na véspera do seu último Natal. Como podem perceber Alma acreditava ter, numa de suas encarnações, vivido em Elêusis onde fora uma sacerdotisa órfica, do culto de Mistérios daquela doutrina reencarnacionista do século VII A.C., na Grécia. (Lucia Welt)

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Meu trem fantasma (de Alma Welt)

Venham formas-pensamentos, devaneios,
E invadam-me de noite o casarão!
Meus amores estão longe, e os anseios
Preservam-me da negra solidão.

Mas o vazio... a custo eu o evito
Pois sei que ele, só, pode matar-me.
Venha aquele trem, pois, assombrar-me
Com seus brancos fumos e o apito

Naquela plataforma enevoada
Onde sempre deixei os meus queridos
Para vê-los partir em revoada

Envoltos no vapor de suas glórias,
Me deixando aqui, como os banidos,
Num comboio eterno de memórias...

29/12/2006


A título de curiosidade republico aqui este soneto da série Pampiana, para evidenciar a recorrência dessa imagem da estaçãozita e do trenzito maria-fumaça que serve nossas terras e que era tão querido por minha saudosa irmã. (Lucia Welt)

O trem (de Alma Welt)

(193)

Quando aqui chegava o nosso trem
Na pequena estação perto da estância
Era uma festa enorme para alguém
Que amava os signos da infância.

Os ruidos, silvos e a fumaça,
O vapor envolvendo qual neblina
O vulto espectral de uma menina
Muito branca atrás de uma vidraça...

Era eu que olhava e que me via
Como sempre em tudo em minha vida
Narradora e personagem escolhida

E que esperava a mim na plataforma
Para abraçar-me em meio a algaravia
Daquela multidão quase sem forma.

17/11/2006

terça-feira, 1 de julho de 2008

O labirinto e o bosque (de Alma Welt)

No jardim da minha avó alsaciana,
Frida, um labirinto ali havia,
Que Matilde em língua castelhana
Dizia que "aí uno se perdía..."

Eram sinistros corredores de uma sebe
Odorífera, de uma espécie de pinheiro
De folhagem crespa cujo cheiro
Era feito pra atrair como uma febre.

E eu, por ter medo de adentrá-lo
Pedi para o Vati desmanchá-lo
E ali plantar um bosque bem fechado

Que crescendo, vem a Mutti e nele planta
A idéia, bah! de um lobo bem malvado*
Que ali rondava à espera desta Infanta...


09/11/2006

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*Nota da editora

Relembrando um outro soneto em que Alma fala desse lobo:



De Lobos e guris (de Alma Welt)

(n° 196 dos Sonetos Pampianos)


Minha mãe dizia haver um lobo
No bosque aqui perto e emboscado
E que eu deveria ter cuidado
E nem sequer ir ali com o meu Rôdo,

Pois meu irmão, guri bem destemido,
Não seria páreo pro vilão
E que depois de assado e comido
Eu seria a sobremesa alí à mão.

Mas a curiosidade era mais forte
E eu entrava com ele ou sozinha
Embora jogássemos com a sorte

Pois a verdade era que eu creía
Haver o lobo que comia criancinha,
E até hoje ainda creio: o lobo havia.

13/01/2007