sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

"Sonho de uma noite de verão" (de Alma Welt)

Dirijo-me ao bosque em plena noite
Vestida com o branco da minha pele
Esperando que a lua não se afoite
E somente o luar ali me rele.

Vou encontrar Aline, minha parceira
Que me espera linda e nua como eu,
E reparo numa sombra que se esgueira
Para vir espiar nosso himeneu.

Nossas bodas celebramos, dionisíacas,
E não tarda a entrar nosso cortejo
Onde dançam vãs e afrodisíacas

Outras noivas do deus acompanhado
De seu lindo séquito sem pejo
Que estabelece na noite o seu reinado.

(sem data )

A Ofélia dos pampas (de Alma Welt

Contemplativa mais a cada lua,
Tomada por estranha nostalgia
Me ponho na varanda qual coxia
De um palco onde o coração atua.

E me vejo qual Ofélia coroada
De flores, entoando um triste canto
Mais veemente que o perdido pranto
Para morrer de mim tão afogada!

E nem falta o príncipe, qual seja:
Hamlet dos pampas, ah! tão puro,
Que como monja e amante me deseja.

Não direi a tragédia com que arca,
Que sendo irmão caminha sobre o muro
Dos fantasmas desta bela Dinamarca...

28/11/2006

Soneto dos Amores Idos (de Alma Welt)

Amores idos vêm durante a noite
Como bando de falenas no meu sonho
E esperam que em seus vôos eu me afoite
E siga-os ao seu vale tristonho

Onde vagam sonânbulos no exílio,
Perdidos qual cometa em Branca Via
Ou como aquele um, pródigo filho
Que espera ser mimado todavia.

E eu os acolho no meu seio
E a cada um consolo, ai de mim!
Que a mim mesma consolo nunca veio...

E a todos eu garanto o meu amor
Que nunca do meu peito (ah! que dor)
Apagarei, fiel que sou até o fim!

27/11/2006

Soneto da Alma nadadora, ou A nereida dos pampas ( de Alma Welt)

Meu Pampa, oceano dos amores
Que me viram infanta nua nestas plagas,
Singrando entre as ervas, entre as flores
No jardim ou nas coxilhas como vagas

Que minh'alma nadadora acompanhava
Com o olhar e o coração mergulhador,
Imersa que ao nascer já me encontrava
Nas ondas de um mar encantador...

Aqui nesta soleira estou sentada
Como atenta salva-vida numa praia
A olhar o horizonte que desmaia,

Ou sonhando qual nereida num rochedo,
Que é esta casa-grande naufragada
Num mar de fantasia e engano ledo.

28/11/2006

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Fogos-fátuos (de Alma Welt)

Esta noite irei ao cemitério
Para ver os fogos-fátuos lampejando;
Os peões temem muito o seu mistério
E acreditam que são almas vagando

Fugidas dos túmulos, seus leitos
Que anseiam deixar definitivo
Para estar conosco por motivo
De recuperar lares desfeitos.

Pelo sim, pelo não, estou com medo
Mas a curiosidade é maior
E nunca gostei de dormir cedo.

Mas, bah! encontrar a Açoriana,
Sua chama sofrida, sem calor,
Me faz sentir-me um tanto leviana...

O punhal nas águas (de Alma Welt)

Com meu Rôdo como sempre mergulhei
No poço da cascata esta tarde
E nas águas transparentes encontrei
Um punhal de prata de "compadre",

E o mano diz ser lance muito antigo
Que fazia um "gaucho de honor"
Que tivesse sido salvo por amigo
Cuja arma tivera mais valor.

E lembrei-me então da narrativa
De um velho boiadeiro meu vizinho
De como o pai deixara a vida ativa

Por ter ficado eterno devedor
De um que de seu filho era padrinho,
E salvara de si mesmo em dor de amor.

(sem data)

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Retorno ao bosque (de Alma Welt)

Atravessando o bosque tão amado
Me embeveço com a sua maravilha:
Musgos, líquens, o solo alcatifado
Que esconde a vida que fervilha.

Ali os cogumelos... e esses gomos
Ou orelhas recobrindo velhos troncos
Onde se escondem eles, bons gnomos,
Quando fogem dos trolls, aqueles broncos.

E de repente o pássaro ignoto
Que só canta quando piso nessa relva
Alerta-me os perigos que não noto

Pois o lobo pela Mutti encomendado
Quando eu era guria nessa "selva",
Deve ainda rondar esfomeado...

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Fadarias (de Alma Welt)

É de noite e eu saio do meu quarto
Atravessando as sebes prateadas,
A lua está imensa e em parto
E as fadas são parteiras dedicadas.

Hoje é das noites mais sagradas
E teremos pirilampos e bruxedos,
Duendes, fadarias, mascaradas
E talvez se criem mais segredos.

E me ponho nua assim banhada
Pela luz que me deixa siderada
C'um olhar que a própria noite vidra.

Então, francamente erotizada
Me agacho urinando como a cidra
Que evola seu perfume extasiada...


01/11/2006

sábado, 23 de fevereiro de 2008

RIP* (de Alma Welt)

Vem por aqui, Galdério, logo à frente
Vou te mostrar o que encontrei:
Uma cruz estranha que nem sei
Se é cristã ou coisa diferente.

Vê, gravada nesta laje, aqui, assim,
Algo muito gasto está escrito.
Será o túmulo violado e proscrito
Do antigo estancieiro Valentim?

RIP está gravado e se percebe,
O resto é posterior, mal redigido,
E suponho por alguém que ainda bebe

O vinagre do que, mal digerido,
Não sei, Galdério, mas o sinto,
Deixou seu travo em nosso vinho tinto.


(sem data)

*RIP- iniciais do mote latino "Requiescat In Pace" (Repousa em paz) que antigamente era gravado em alguns túmulos.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Vem, meu leitor (de Alma Welt)

Vem, meu leitor, voa comigo
Por sobre a minha estância encantada,
Há muito a mantenho iluminada
Pelos melhores versos que consigo.

Sei que podes vê-la em tua mente
Sendo, pois, meu hóspede querido,
Levar-te-ei pelo jardim florido
E depois talvez a coisa esquente

Quando me encontrares no pomar,
Logo no vinhedo e no lagar,
Depois subindo ao sótão de noitinha

Pra veres onde flui minha poesia
Se achaste minha jornada comezinha:
Noites nuas perpassadas de magia...


07/06/2006

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Sendas farroupilhas (de Alma Welt)

Caminho pelas sendas farroupilhas
Que ainda se vêem aqui no prado,
E serpenteiam servindo como trilhas
Para os peões de hoje e nosso gado.

E me vejo de repente acompanhada
De visões dos nossos companheiros
Montados, zurzidos por pampeiros
A procurar a sua última invernada

Logo sofrida, espectral, penada
Pois que nunca houve paz impune
Pros que vivem e morrem pela espada.

Então volto ao casarão atormentada
Como alguém que a guerra ainda pune
Com os ecos da última emboscada...


14/01/2007

domingo, 17 de fevereiro de 2008

De laços e espectros (de Alma Welt)

Um espectro percorrendo o casarão
Despertou-me de um sonho agitado.
Eu sei que é o Valentim, o enforcado
Que volta a assombrar nesta estação.

E vou ao seu encontro, temerosa
Mas tentando controlar-me, bem durona,
Pois preciso convencê-lo c'uma prosa
A voltar para a sombra, a sua zona.

Mas, bah!, eu sei que sou suspeita,
Sou a neta predileta, na verdade,
Do homem que lhe fez maior desfeita

Ao cobrar-lhe a dívida fatal
Fazendo-o perder a propriedade
E ajeitando-lhe um laço cervical.

08/10/2006

Halloween (de Alma Welt)

É noite de bruxas e abantesmas.
Não me agüento e preciso ir ao jardim
Confiante em minhas fadas benfazejas
Pois acredito que trago o bem em mim.

Assim, saio em lençóis meio enrolada,
Pés descalços (às vezes saio nua)
Para ver de perto a cavalgada
E esse desfile que a Noite perpetua.

Ali voa uma velha na banheira,
Adiante a bela em pêlo acompanhada
Por um lobo e uma casamenteira...

Ah! A multidão que se abre em alas
De mulherio louco, sublevada
Acena para mim pra acompanhá-las!


31/10/2006

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

A Carruagem (de Alma Welt)

(Este é o último soneto da Alma, escrito na véspera de sua morte.)

Um piano toca no salão!
Ah! e não fui eu que coloquei
Um CD ou um velho long play,
Talvez seja o Vati, e então...

Ele voltou! Sim, ele me quer!
Vou ao seu encontro e sou mulher!
Sim, ele vai ver agora sou
Pelo menos a guria que sonhou.

Olha, Vati, há muito não me vias,
Mas de verso em verso muito errei
Pelo mundo, a viajante que querias...

E agora, com toda esta bagagem,
Leva-me contigo que eu irei
Quietinha, assim, na carruagem!

19/01/2007

Às águas do meu poço (de Alma Welt)


Ofélia ou A morte de Alma Welt- óleo s/tela de Guilherme de Faria, 100x140cm, coleção Fernando Carrieri, SP, Brasil


Ele me espera, eu sei que morrerei
Sob a face do meu lago, tão serena.
Aqui eu fui feliz como nem sei,
Aqui eu mergulhei desde pequena.

Sou a Yara nua do meu poço:
Aqui fui cobiçada em minha pureza
Fui ali tomada com rudeza,
E continuo pura, sem esforço.

Nada tive que cobrar da natureza,
Nada tenho a reclamar do meu destino...
Sou Alma, a poetisa, e sou a mesma

Guria branca de gênio sonhador
Cuja vida haverá de ser um hino
À beleza, à liberdade e ao amor!

01/01/2007

Visão (de Alma Welt)

Ser a musa eternizada do meu pampa!
Cantar, celebrar e endoidecer
De tanto amar até saltar a tampa
Do coração e da mente, e então morrer!

Nua, estranhamente, sobre a mesa
Estendida me vejo, uma manhã:
Um desfile silencioso me corteja
De peões, peonas e algum fã.

Mas olho o meu corpo de alabastro,
Absurdo e belo ali, e não à toa
Eu noto algo nele que destoa:

Sobre a alvura do pescoço bailarino
Uma faixa vermelha como um rastro
Da corda que selou o meu destino...

03/01/2007

Elêusis (de Alma Welt)

Estrelas do meu Pampa, peregrinas
Que eu via do jardim anoitecido
Onde colhera as flores pequeninas
Por entre as quais singrara meu vestido

De guria de olhar indefinível
E branca como um vaso de alabastro
Que meu pai votara ao grande astro
No teatro de uma ópera invisível

Encenada naquele nosso Elêusis
Que fizéramos desta bela estância
Onde o Vati me consagrou aos deuses...

Estrelas, sou poeta mesmo agora
Fiel ao meu sonho da infância
Pois que sua magia ainda vigora!

10/12/2007

O nó e o muro (de Alma Welt)

Este casarão que chora e geme
Nas noites desta estância tão sofrida
É agora o companheiro da minha vida
Como um barco à deriva já sem leme.

E não parece dirigir-se ao futuro
Mas arrastado em voragem de retorno
Ao porto de partida junto ao muro
Que separa o jardim do prado em torno,

Ali onde o nó foi enterrado
Com que enforcou-se o Valentim
Que era o vero estancieiro despojado,

Que perdeu pro meu avô a sua estância
Em que esta branca Alma vem porfim
Viver a sua busca e sua ânsia...


15/01/2007

A Vivandeira (de Alma Welt)

Pelas trilhas centenárias do meu prado
Por onde desfilam farroupilhas,
Suas prendas, chinas, piás e filhas
Que ainda hoje pisam no relvado

Como falange de espectros penados
Eu os vejo quando a lua é propícia
E a brisa envia-me a notícia
Do etéreo desfilar de rebelados.

Então, eu montada em minha égua
Corro pra alcançar o homem certo
Entre Bento, Canabarro e o bravo Neto*

Mas ao lado do Giuseppe e sua guarda,
Vivandeira volto lá pra retaguarda,
Ao ver a bela Anita em sua trégua...*

14/01/2007

Minha hospedagem dos poetas mortos (de Alma Welt)

Aqui, no Pampa desta Alma
Os poetas mortos vêm me ver
E hospedam-se com prazer e calma
No casarão que ama os acolher.

E então reunidos no salão
Ou na biblioteca a conversar
Param um momento a confusão
Para em silêncio me ver atravessar

Sorrindo à direita e à esquerda,
Mas na verdade nua como Helena
Para assim poupar-lhes a desfeita

De recebê-los somente bem vestida
E não com a visão que vale a pena
Pois a ela dedicaram sua vida...

09/01/2007

Sonho pampeiro (de Alma Welt)

Pleno pampa poderosa pradaria,
Um céu maior e mais profundo;
De noite as estrelas e seu mundo
A mirar-nos com sobranceria.

Ah! As alongadas sombras das coxilhas,
Pela branca lua cheia a surfá-las
São algumas das tantas maravilhas,
Que eu quisera em sonho suborná-las

E assim, nua, de noite, em desatino
Cavalguei até dormir por sobre a crina
E traída ser trazida ao meu destino,

Pois eu quis perder-me, e feminina,
Ser cobiçada e levada por rei Mino*
Ao seu oculto palácio da campina...

15/01/2007

Noturno (de Alma Welt)

Entre o casarão e o vinhedo
Está o jardim dos meus amores
Que de dia acolhe o folguedo
De guris e gurias entre as flores.

Mas nele eu navego em noite cálida
Sob a luz de uma lua espectral
Refletida e tornando-me mais pálida
Como pequena gôndola irreal

Que singra entre touceiras prateadas
Deixando rastro: cintilantes vagalumes
Companheiros de noturnas caminhadas

Sob a guarda do Negrinho e as Três Marias
Que ainda me protegem dos queixumes
Dos sonhos mortos e das fantasmagorias...

15/12/2006

O espectro (de Alma Welt)

Em noites frias aqui no casarão
Acontece do meu leito levantar
E enrolada num pala ir ao salão
Para sentir o silêncio crepitar

Na lareira, pois ali sou visitada
Por um mundo de imagens agradáveis
Que me trazem poemas inefáveis
Ou alguma coisa inusitada.

Foi ali que num lance inesquecível
O espectro da Mutti afinal veio,
Que fora tanto tempo inacessível,

E que porfim estendia-me os braços
Dizendo:"Filha, faltaram-nos abraços,
Quisera agora sentir-te no meu seio."

16/01/2007

A Mandrágora (de Alma Welt)

"Alma, esta é a mandrágora,
A raíz que grita se arrancada,
Mas não tema, não vou fazê-lo agora,
Pois ainda não estás preparada."

Assim disse Frida, a minha avó
Que tinha um aspecto de assustar
Mas que gostava de encenar
O papel de feiticeira, e era só.

E então, uma noite, eu o fiz:
Fui ao jardim e a arranquei
Puxando pelas folhas a raíz.

Mas o susto foi dela ou o contrário?
Pois o terrível grito eu escutei
Vindo do fundo do meu imaginário...

05/01/2007

Resumo da ópera (de Alma Welt)

Sob o casarão por qual lutava
Foi por mim e meu cunhado descoberta
A grande adega, ao ser aberta
Uma parede secreta que girava.

E foi-nos revelado um tesouro
De toda uma safra dos avós
Que ficara maturando no escuro
Desconhecida de meu pai, de todos nós

Que lutávamos pela casa e os vinhedos
E todos estes belos arredores,
Quando já faltava a temperança.

E foi desta senzala e seus segredos
De infâmia, injustiça e seus terrores
Que surgiu novamente a esperança.

04/12/2006

O Sonho da Alma (de Alma Welt)


O sonho da Alma com o Pavão Misterioso- pintura à oleo de Guilherme de Faria, de 100x100cm, óleo s/ tela, coleção Instituto Paulo Gaudêncio, São Paulo, Brasil

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Sonhei-me em miniatura e despida
Num berço flutuante e noturno,
Mas eu era guria já crescida
E tornada uma estrela por meu turno,

Que logo revelou-se-me em pavão
Cuja cauda eram contas de mil olhos
Como num mar escuro os abrolhos
Que evitar seria esforço vão.

Mas havia um som vindo do berço
Feito por músicos vestidos de gibão
Que desfiavam as contas como um terço

Dentro daquela nave delirante
Que me punha mais nua a cada instante
À medida que chegava no Sertão.

14/05/2004

O Vento e o Maestro (de Alma Welt)

Ontem soprou forte o minuano
E bateu todas as portas e janelas
E ainda passou por baixo delas
Para fazer vibrar nosso piano

Que pôs-se a tocar feito um espectro
De música, se é que isso houvesse,
Como uma paródia do Maestro
Que legara seu silêncio como prece

Pois pra que este emoldurasse
Sua música e em nós reverberasse
Nosso pai o tocava de outro plano

Então pedi perdão e o dedilhei
Pr'afugentar rei Mino, o tal tirano
Que invadira as cordas do Steinway...

22/06/2006

Memórias do casarão (de Alma Welt)

De noite o velho casarão estala
E geme repleto de lembranças...
Então o imaginário se instala
Nos corações e cobra suas heranças

Que vêm de ainda antes dos avós
E remontam ao "gáutcho" Valentim
Que no comando fez ouvir a sua voz
E teve em si mesmo o seu motim.

No sotão sob a trave onde pendeu
Nenhuma marca no assoalho denuncia
Onde o banquinho rolando se abateu,

Mas o aroma do mate derramado
Quando a cuia tombou sob o enforcado,
Eu julguei sentir quando guria.

14/11/2006

A Abantesma (de Alma Welt)

Ó casarão da minha infância
E que me verá adormecida
No último sono, já sem vida,
Para ser a abantesma desta estância,

Por aqui onde vivi a fantasia
De ser mulher-poema e musa errante
Do meu bosque, do jardim, da pradaria
E de todo o meu pampa circundante

E quando estiver morta, que me vejam
A galopar sob o céu da Branca Via
Nua como em vida já se ouvia

Ou mesmo que não muito créus estejam,
Afirmem pra seus piás e filhas:
"Alma vagou esta noite nas coxilhas!"

18/01/2007

A dama da geada (de Alma Welt)


Geada nas coxilhas- óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 1977, 80x100cm,(paradeiro desconhecido)



Esta noite caiu grande geada
Num amanhecer quase europeu,
E vi a pradaria esbranquiçada
Como se fora neve e como eu

Que saí pela campina e evaneci.
"Branca sobre branco" diz Galdério,
Que rindo quis dizer que me perdi,
Pois que não me leva muito a sério.

Mas respondi no mesmo diapasão:
"Não me viste, ó peão, a cabeleira
Vermelha, produzindo aquela esteira

De cometa fiel nas pradarias?
Era eu, e por certo não sabias
Que era mulher, estrela-guia de peão..."

12/07/2006

O Território Mágico (de Alma Welt )

Por uma senda do Pampa, invisível
Caminha o rebanho encantado
Para o território demarcado
Das Missões, onde o Sul é imperecível.

Ali, de noite, reunem-se os peões
Com suas bombachas, esporas e tacões;
As lanças farroupilhas ainda açulam
Imperiais que no sonho capitulam.

Anita é avistada, ah! tão bela!
E o bravo Giusepe se revela
O amante fiel e apaixonado

Que retorna ao Sul com sua nave
Para buscar do amor a própria chave
Que restou perdida neste prado...

15/01/2006

Belas noites de verão (de Alma Welt)

Belas noites de verão, no meu jardim
Dançavam fadas, luzes, pirilampos,
Estrelas magas vagavam pelos campos,
E as horas, propícias e sem fim.

E eu levantando do meu leito
Corria entre as sebes prateadas
Sentindo ser também uma das fadas
Com toda a Natureza no meu peito.

E leve, nua, eu como que voava,
O corpo ainda não se concentrava
Em si mesmo, inconsciente do seu pejo,

Eu só seria espírito e alegria
Se já não despontasse a nostalgia
Da futura antiga Alma e seu desejo...

26/11/2006

A Tentação da Alma (de Alma Welt)

Uma vez estando eu a passear
Pela minha dourada pradaria,
Como de hábito imersa num cismar
Que me levava além da alegoria,

Onde coisas, numes, deuses, tudo junto
Cercava-me e querendo-me com eles,
Eu encontrei um tal Mefistofeles
Que não fazia parte do conjunto,

E este rogou-me desnudar-me
Que queria que queria admirar-me
Prometendo-me tesouro todo à parte.

E eu que não me faço de rogada
Fiquei nuínha, e sim, sem querer nada,
Disse: "Eu mesma sou o Ouro e a Arte!

03/12/2006

No Labirinto da Frida (de Alma Welt)

No jardim da minha avó, um labirinto
Foi plantado por ela, eu o sinto,
Embora há quem o diga mais antigo
E que nisso consiste o seu perigo.

No seu centro toda imagem desvanece
Ou talvez encontre o Minotauro,
Pois parado ali o tempo permanece
Sem passado, sem futuro, sem restauro.

Conquanto fui guria até segura
Sempre passei-lhe ao largo com respeito
Pois prezo demais a minha figura.

Creio, no jardim da velha Frida
Mora o segredo, a causa e o efeito
Do amor e da poesia em minha vida...


05/12/2006

O último concerto (de Alma Welt

Venham memórias e tragam os amores
Que esta noite entretê-los-ei porfim
No jardim noturno em meio às flores
Sob a lua, como gotas de marfim

Entre coruscantes vagalumes
Num concerto de câmera perfeito
No qual regerei meu coro eleito
De fadas, elfos, ninfas e alguns numes.

Não faltará a voz de sopranino
Do meu Negrinho em Pastoreio
Perpétuo com seus lumes de menino

A perseguir o novilho tão bisonho
Que desgarrado vai como um ponteio
A vagar pelas sendas do meu sonho...

17/01/2007

Adeus Pampa (de Alma Welt)

Adeus Pampa, que a galope estou indo
Pra outros pagos, nua e sem a sela,
Escanchada sem pudores no meu pingo
Que como Eva sou sua costela

Antes da maçã e da serpente,
Infanta da Natura e sem pecado,
Alma pura, erótica e inocente,
A quem só amar foi destinado.

Esperem-me na Noite, ó desejosos!
Poetas, sonhadores de passagem,
Que sob suas cobertas liquefazem

Seus corpos, de graça e fina estampa,
Destilando seus fluidos licorosos
Pela Musa derradeira deste Pampa!

19/01/2007

A Infanta (de Alma Welt)

Muito viajei pelas cidades
Do mundo real e as da mente,
Europa e os reinos do Oriente
E os das lendas de antigas deidades.

Mas o Pampa, o Pampa é minha raíz...
Aqui vou mais longe ao galopar
E perco-me no mundo por um triz
E encontro meu espaço em pleno ar!

Bravos gáutchos* montados e em seus zelos
Tocam seus chapéus com os dois dedos
Ao verem-me correndo tão sem medos,

Infanta de meu reino, ou já rainha,
Meio louca, eu sei, soltos cabelos,
Mas ao passar saudada pela Vinha!

18/01/2007

Lendas do meu bosque (de Alma Welt)


Sabat das feiticeiras no bosque- Desenho a bico de pena, de 1962, de Guilherme de Faria




O meu bosque reserva o seu segredo
Para quem tem olhos e ouvidos,
Poucos, na verdade, os escolhidos
Capazes de adentrarem-no sem medo.

Principalmente quando no crepúsculo
Principiam as fantasmagorias
E aquele vago lusco-fusco
Produzido por ocultas fadarias.

"Nada de bosque!" alertava a Matilde
"Que ali o malígno espreita
Tanto guria nobre como humilde."

"Conheci uma que sumiu e não mais vi
Para me contar que coisa é feita
Com aquelas que se agacham pro xixi..."

15/01/2007

Eu e as fadas (de Alma Welt)

Guria, eu buscava no meu bosque
Não somente orquídeas e amoras,
Mas as fadas que dançavam suas horas
Numa espécie de minúsculo quiosque.

E eu as via, sim, e muitas vezes
Com elas conversei em língua estranha
Que aprendi e soube por uns meses
Antes de dar-me conta da façanha.

Pois quando pressionada por Solange,
Irmã que só tinha os pés na terra
(às vezes lembrar disso me confrange),

Revelei que era com elas que eu falava,
E num zás eu era alguém que se desterra,
E o portal das fadas se fechava...

11/01/2007

O reino da Alma (de Alma Welt)

Entre Rosário e Livramento
O reino desta Alma pampiana
Se estende muito além da Taprobana*
Onde o Preste João perdeu o jumento*,

Em meio às Bem-Aventuradas Ilhas*
Que no mar da pradaria são coxilhas
A terra de Cocaygne* ainda espera
Os aventureiros de outra Era*;

E o velho Cronos parado continua*
Na planície do Letes, vaga-mente*
Em que Ananke ainda conduz sua charrua*

Em torno ao casarão meio adernado
Que afunda comigo lentamente
Como insensata nau em meio ao prado...*

15/01/2007

Nightmares (de Alma Welt)


Pesadelos- óleo s / duratex de Guilherme de Faria,1962, 50x60cm , coleção Nina Assumpção de Faria, São Paulo, Brasil



Mal deito-me de noite no meu leito
Começo a caminhar no labirinto,
Que é este casarão dentro do peito
Com os seus fantasmas de absinto:

O espectro gargalhante de minha avó
Frida, velha bruxa feiticeira,
Joachim, meu avô se ergue do pó
E me cobra ser também uma guerreira,

A Walkíria que ele espera, ai de mim!
Que ando com medo da minha sombra,
Na fatal condenação talvez sem fim,

Ao vê-la c'uma corda no pescoço*,
Que temo ou pressinto e que me assombra
Fazendo-me acordar em alvoroço...

17/01/2007

De reinos e condados (de Alma Welt)

O meu bosque é um mundo insuspeitado
Que tenho ao meu dispor desde guria,
Com as lições matinais da cotovia,
Embora ela não seja do condado.

O rouxinol, também, anoitecendo
Eu ouço na memória ancestral,
Tão européia, eu sei, e espectral,
Esta mente com que tanto condescendo.

Pois meu Vati sustentava as minhas horas
No bosque buscando o cogumelo,
Para voltar somente com as amoras...

E eu sabia que ele garantia
A minha alma ansiosa pelo belo
Que os tempos e os reinos confundia.

12/01/2007

A casa e o lagar (de Alma Welt)

Emergindo da planície encoxilhada
Como nave entre ondas e revezes
Mas onde fui feliz no mais das vezes
Se ergue o casarão, minha morada.

Aqui eu fui guria, não piá,
Pois nasci no caminho ao Deus-dará,
Na margem de uma estrada, sem estorvo
Entre Blumenau e Hamburgo Novo.

Mas à grande sombra dos avós
Joachim e Frida, godo e feiticeira
Que plantaram a semente da videira

E construiram nova nave, o grão-lagar,
Para fazer nosso vinho, muito após,
Em seu sangue me haveria de banhar.

16/01/2007

Minhas vidas (de Alma Welt)

Tenho certeza de que um dia voltarei
Assim como voltei já muitas vezes
No corpo de mulheres e de um rei
Que não perdeu seu trono mas as rezes*.

Fui poeta, pintora e não matrona
Mas me orgulho mesmo da D’Affry*,
Adèle, a Castiglione, a Colonna
Que descobri ao ver a sua Pithie*.

Mas no século das luzes e “de Ouro”*
Fui princesa com retrato no castelo
Pintada tão real e sem desdouro

Que tive o meu “portrait” então roubado
Por um Feig que embora também belo,
Soldado, desertor e desastrado.

17/01/2007

Quando as violetas floresceram (de Alma Welt)

Quando as violetas floresceram
Eu trancei com elas a guirlanda
Com que ornei o piano que esqueceram,
Já que ali a mão de dele não mais anda.

O Steinway agora é o seu túmulo
Negro como laje de granito,
E o coração ao vê-lo dá um pulo
Se olhado de repente, como um mito.

A alma ao recordá-lo mais se cala,
Que tudo nesta sala é encantado
E um espinheiro não tarda a cercá-la

Pois sentimos avançar a sonolência
Que, lenta, vai tomando a sua essência,
E um sono de cem anos é chegado...

16/01/2007

A Salamandra retornada (de Alma Welt)

E a Salamandra apareceu de madrugada
Nas chamas da fogueira na campina!
Estava eu com meu Rôdo acordada,
Co'a chaleira em chiadeira muito fina,

Envoltos nos palas, sob estrelas
Que velavam o serão do meu destino,
E que se aproximaram para vê-las,
Às chamas, e ao show reptilíneo

De seu elemental perante um par
Que assim indagava seu caminho
Qual se fora plausível e comezinho.

Então, acreditem, ela mostrou,
Aquilo que não posso revelar,
E a Alma em solidão sempre sonhou...

15/01/2007

Ao oráculo (de Alma Welt)

Esta noite farei uma consulta:
Preciso saber o meu destino...
Não me refiro só a morte estulta,
Que não sei será acerto ou desatino.

Mas o que será de mim, poeta,
Após passo prematuro ou temporão*,
Meus versos recolhidos comporão
O grande livro que é a minha meta?*

Toda a minha vida nestas letras,
E mais: uma saga do meu Pampa,
Aquela dos avós, netos e tetras,

Tudo e todos que eu trago junto a mim
Nesta Pandora virtual sem tampa*,
Que há de ver-me cavalgando até o fim...

16//2007

Notícias do Pavão Misterioso (de Alma Welt)

Rafisa* esteve aqui e revelou-me
Que *Josué espera a minha volta
E não consegue esconder a sua revolta
Com a partida que afinal facilitou-me

Entregando-me na casa do italiano
Em pleno Carnaval-frevo de Olinda
Depois de voarmos meio ano
Por cima daquela terra linda.

"O Pavão Misterioso* nos espera,
(eu li isto em minha própria palma)
Mas não no carroção, minha tapera."

"Quero voar contigo, minha Alma,
No *tapete voador do Josué,
Do Recife à muito vera *Santa Fé!"

12/01/2007

A Salamandra (de Alma Welt)


A Salamandra- pintura a acrílica s/ duratex, de 30x36cm, datada de 1973, de Rodrigo de Haro (famoso pintor e poeta de Florianópolis, SC)


Me lembro de um inverno de lareira
(embora estejamos no verão),
Preparando do mate a saideira
Quando algo fez notar-se ao meu irmão:

"Olha, Alma, nas chamas, olha ali!"
Eu olhei e por instantes nada vi,
Até que por sua insistência,
Finalmente vi Sua Excelência

A Salamandra, um lagarto transparente
Que brincava no fogo ali em frente
Como um ser de vidro, embora vivo.

E eu, comovida, percebia
Que a nota mesma, e o motivo,
Era a dádiva, a mim, da alegria...

12/01/2007

Variante do "Passeio sob a lua" (de Alma Welt

À noite quando a lua é propícia
Eu me levanto para andar no meu jardim
E escoltada logo sou pela milícia
Dos pirilampos do início até o fim

Desse passeio encantado sob a lua
Em que, sabeis, não tardo a me pôr nua
Para sentir aquela brisa me afagar
E os bicos dos meus seios titilar.

Então eu me agacho sobre as urzes
E urino em impulso inusitado,
Depois bem molhada me deixando

Como se o território demarcando
Eu não perdesse jamais o meu reinado
Sobre este meu Pampa e suas luzes.

11/01/2007

O que me disse a cigana (de Alma Welt)

Um dia voltando do meu bosque
Onde fora colher belas amoras
Eu vi uma espécie de quiosque
E ciganos a dançar as suas horas.

Pensei:"vou ofertar-lhes o que aqui tenho,
E juntar-me a eles por minutos..."
Ah! por quê é que não contenho
Esta sede de espalhar todos os frutos?

Pois logo uma delas veio a mim
E afoita agarrando a minha mão
Me levou para atrás de um carroção

E com estranho olhar me disse assim:
"A *Moira vê, te cobiça, e eu cuidaria,
Porquanto jorras tanta e tal poesia!"

08/01/2007

O segredo do meu vinho (de Alma Welt)

Ali onde a colina encontra a lua
Como imenso sonho branco a flutuar
Contra a nave em silhueta do lagar,
Quanto sobre as uvas me pus nua!

Invocar Dioniso é o caminho
E deve ser ritual inusitado:
Somente o meu corpo despojado
Pode chamar as forças do meu vinho.

Então eu sento no sangue do lagar
Com meu sexo também prestes a sangrar...
Eis revelado o segredo do meu tinto.

Não me venham dizer qu'isto é "de demos",
Não percebem o buquê como é distinto?
Ao aroma e cor da Vida, ah! brindemos!

05/01/2007

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Onde dormem os amores (de Alma Welt)

De onde vêm estas vozes, burburinhos,
As zangas de amor dos meus perdidos
Pai, mãe, irmã, cunhado, e uns vizinhos
Que nos traziam seus jogos divertidos?

De onde vem o clamor dos exilados,
Suas andanças no quarto e corredores,
Onde estão dormindo meus amores,
Onde a paixão e o beijo dos amados?

Na parte do jardim, mais afastada,
Têm sob a campa sua guarida
Pra que não assombrem a fachada

(que não tarda a também ser engolida
pelas sombras do avô e da avó Frida)
Desta grande casa atormentada...

31/12/2006

Todos os deuses (de Alma Welt)


A invocação mágica de Alma Welt- óleo s/ tela de Guilherme de Faria, de 2007, 150x150cm- Coleção Fernando Carrieri, SP, Brasil

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Todos os deuses (de Alma Welt)

Quando afinal vejo o ano se findar
À meia-noite eu faço um ritual
Ao pé da macieira do pomar
Onde eu vi os deuses e o Graal.

Sim, pois acredite-me o poeta:
Aquilo que contei no meu romance*
De esteta não foi coisa, nem de asceta
Ou de louca que a tal camisa amanse.

Ali vi chegarem os do Olimpo,
Mas junto com os outros do Walhalla
Enquanto eu passava a vida a limpo.

E foi quando todos juntos, de roldão,
Me fizeram mergulhar na própria vala
Do meu sonho, a um metro do meu chão.

18/12/2006

A forca do umbu (de Alma Welt

Plasmado no tronco como um quisto
De um velho umbu a forca gravada
É o lado da estância mais sinistro,
Que descobri em distante temporada.

Questionei ao Galdério a sua causa:
"A forca foi aqui, no casarão
(ele respondeu fazendo pausa)...
No umbu é só do povo a falação".

"Aquela árvore é inocente como nós,
O enforcado foi no tempo dos avós,
Do velho Joachin Welt, o vinhateiro,

Que comprando em ruínas a estância,
Trançou com muita fibra e ganância
A corda do antigo estancieiro."

05/01/2006

O Canto de Outra Era (de Alma Welt)

Esta manhã corri à pradaria
Como fazia outrora em minha infância
Para sentir o vento que fluía
Qual rio invisível desta estância.

Mas de repente senti o ar parado
Numa súbita e temerosa calmaria,
E percebi que no tempo coexistia
O fluxo do presente e do passado.

E como Odisseu fui arrastada
Por uma corrente indefinida
E pela consciência fui chamada

Ouvindo os espectros de outra Era
Protestando por me achar assim perdida
Longe da missão que me coubera...

27/12/2006

Um conto de fada da Alma (de Alma Welt)

Uma vez, acreditem, encontrei
Uma fada no bosque aqui da estância,
Era já passada a minha infância,
E comovida eu quase desmaiei...

Sei que uns leitores estão zombando,
Algum pode até estar zangado,
Achando que eu estou extrapolando
Não atina o que me tenha motivado.

Ó amigos da surpresa e do espanto!
Eu juro que não sei como ela veio
E se ainda hoje comigo ela caminha,

Pois ela me tocou, pra meu encanto
(não acreditem em estória de varinha )
Pasmem! com os lábios no meu seio...

21/12/2006

Um soneto para a minha cigana (de Alma Welt)

Minha amada cigana está vindo!
A Rafisa... um peão veio avisar.
E logo penso que quando ela chegar
Meu mundo voltará a ficar lindo...

Eu sei que as ciganas querem paga
Para ler o futuro sem agir,
Não lhes cabe escolher ou decidir,
Mas a minha cigana é mesmo maga

Pois seu dom é trazer encantamento
Num carroção puxado por jumento
Que abre um arco-íris na poeira

E ela chega com a silhueta esguia
De seu corpo moreno que se esgueira
Para trocar comigo sua poesia...

21/12/2006

A minha casa, perdida (de Alma Welt)

A minha casa, perdida neste prado,
Brota do solo como se fora encantada,
O limo já recobre seu telhado
E as heras a põem meio assombrada.

E se as nuvens recobrem o meu pampa
E começa o tropel da trovoada
Eu sinto como se abrisse a tampa
Da caixa da Pandora atormentada

Que sou, esta Alma dividida
Entre a paixão da Arte e da Vida
A vagar pelo jardim anoitecido

Enquanto o Minuano não me venha
Ao encontro, buscar-me, e como senha
Entoar sussurrante o seu gemido...

18/12/2006

Abro a janela... (de Alma Welt

Abro a janela que dá para o jardim
E vejo meus irmãos ali brincando.
Ah! já começaram! E sem mim!
Voltei à infância, já me atrasando...

Esperem-me, Solange, Rôdo, Lúcia!
E vindos da futura geração
O pequeno Hans e seu irmão
Que parecem dois ursinhos de pelúcia.

Estamos todos juntos... como pode?
Ah! Somos crianças novamente!
Pedrinho pede a Pati que o rode

Ao compasso do *scherzo de Beethoven
Que o *Vati punha alto para a gente,
E que os meus ouvidos ainda ouvem...

16/12/2006

Ultra-romântica... (de Alma Welt)

Sempre que entro na floresta
Ouço um pássaro que canta só pra mim.
E sei que o seu trinado é uma festa
Que ele faz saudando-me assim.

"És mesmo pretensiosa" – me disseram.
"Agora essa ! Um canto para ti..."
"Em meio a milhares que te esperam,
Ao entrar numa floresta!" – e o povo ri.

Mas conheço o canto e sua rima,
Seu código há muito decifrei
Como o amor que um dia encontrarei.

E se meu coração assim confirma
É porque esse pássaro me estima
E sabe que eu sempre o procurei.

20/12/2006

Soneto da fonte mágica (de Alma Welt)

Ah! jovem poeta que me vês
Como um anjo e declaras isso a mim!
Como deixar de ser o que tu lês,
Se ao projetares, amor me faz assim?

Nós mulheres somos seres encantados,
Essa é nossa glória, não se iludam:
Viemos para o sonho dos amados,
Os olhos dos amores nos transmudam.

Mas, cuidado: a fonte mágica do amante
Nos reconstrói pra que amor nunca se canse,
Como a de *Haggard, no seu belo romance

Em que a rainha Ela, para amar
Banhou-se outra vez no mesmo olhar
E então se destruiu naquele instante...

20/12/2006

Quando a lua cheia está chamando... (de Alma Welt)

Quando a lua cheia está chamando
Eu deixo o leito e sigo a sua esteira
Transpondo comovida minha soleira,
Banhar-me à luz e persistir amando.

Com diáfana camisola branca e fina
Eu me sinto nua e transparente
E mais nua eu me ponho em frente
Dessa luz fria que minh’ alma anima.

E deslizo como espectro ao pomar
Guiada por escolta vagalume
No caminho me aquecendo desse lume

Para abraçar a minha Árvore do Sonho.
A *ARA cujas letras eu disponho
Ao sabor do coração que vou gravar...

20/12/2006

A Grande Noite Austral (de Alma Welt)


"pelos pagos num galope espectral- Gravura em metal(ponta-seca) de 1968, de Guilherme de Faria, coleção Palácio do Governo do Estado de São Paulo, Brasil


Noite sobre a estância e meu jardim...
Desmesurada, intensa, apaixonada!
Por tê-la em ressonância dentro em mim,
Esta noite é maior, mais exaltada.

Grilos, sapos, dançam pirilampos
Em alegre fandango nestes prados;
Quero voar sonhando sobre os campos
Até o *castelhano e seus costados!

Ali os *gauchos sem acento me saúdam
E me convidam ao mate em seus *bivaques,
Cofiando seus pontudos cavanhaques...

E com eles vou mais longe, *rumo austral,
Me escancham na sela e se me *grudam
Pelos pagos num galope espectral!

20/12/2006

Eu vinha pela senda... (de Alma Welt)

Eu vinha pela senda rumo ao lar
E gritei, o coração saltando, ai!
Reconheci, eu juro, o dedilhar,
Eu ouvi o piano de meu pai.

Atravessei a grande porta sem aldrava
E penetrei no santuário de seus livros.
Ali, o Steinway mudo ressoava
E vi meu pai, como antes, entre os vivos.

Ali estavam minha Mutti e a avó Frida,
O pobre Alberto, bêbado e bondoso,
E Solange que com ele ainda discute.

E entre eles, alto e majestoso,
O avô Joachin, que não quis ouvir em vida
Este piano que na morte repercute...

06/12/2006

O canto da Açoriana (de Alma Welt

(para minha falecida mãe, Ana Morgado Welt)

(11)

Entre Alegrete e Livramento
Bem perto do Rosário do meu Sul
Está uma espécie de convento
Com as janelas pintadas de azul.

Eis o casarão da minha infância
Que ainda hoje me vê flores colher
E levantar-me de noite com constância
Para com os vagalumes me entreter,

Logo despindo a camisola fina
Para branca me lunar enquanto choro
A vagar nua pela minha colina

Até ouvir a voz que herdei de Ana
Qual fora o triste espectro canoro
De minha bela mãe... a Açoriana!

15/12/2006

O Negrinho do Pastoreio (de Alma Welt)

Uma vez cavalguei nua pelo prado
E longe fui demais, tão imprudente!
Então meu baio exausto, esgotado,
Negou-se a retornar, o inocente.

Ali estava eu longe da estância,
Nua e com frio, temerosa,
Perdida do meu pampa cor-de-rosa,
E despojada, retornada à minha infância.

E então, patética, febril e quase vômica
(não fora bela, eu sei, seria cômica)
Encontrei o meu negrinho pastoril:

Um menino negro como a noite
Que me deu sua camisa, um pernoite,
E sua escolta na manhã primaveril...

08/12/2006

Anima (de Alma Welt)

Esta noite tenho encontro com a cigana.
Não posso resistir à minha Rafisa
Que me espera pr'uma espécie de pesquisa
Que faremos no bosque esta semana.

Sabemos ambas que ali existem fadas,
Duendes, elfos e gnomos certamente,
E quero reencontrar-me docemente
Com aquela que pousou-me nas espáduas

Disfarçada em borboleta e de repente
Transformou-se, eu vi quando se alçou
E só Rafisa acreditou-me piamente.

No bosque meu destino foi selado,
Ela disse, misteriosa, e disfarçou.
E eu percebo que o futuro me é vedado...