quarta-feira, 27 de agosto de 2008

A fada da mente (de Alma welt

Esta noite irei ao meu pomar,
Apesar de escura e enevoada.
Ali estarei com minha fada
Com quem combinei de me encontrar.

Rôdo, mas só ele, está ciente,
Pois os outros não podem suspeitar.
Estou em perigo, ultimamente,
Há quem queira mesmo me internar.*

Na minha "Grande Noite de Walpurgis",*
Quando terminei por levitar,
Todos os deuses vieram me encontrar...

Mas o espanto agora é diferente:
"Ó minha fada, eu sinto quando surges
A partir da minha própria mente!"

18/12/2005

Notas

*"Grande Noite de Walpurgis" - Alusão à "Noite Clássica de Walpurgis", cena apoteótica, magistral e iniciática do Fausto, de Goethe. Trata-se de uma grande reunião ou orgia dionísiaca, de todos os deuses da Grecia Antiga, a que Fausto assiste com a ajuda de Mefistófeles. A cena é longuíssima, extremamente erudita e cheia de ocultismo. Há mesmo estudiosos que se debruçaram anos a fio sobre o estudo dessa parte do Fausto, inclusive teses de doutorado.
Alma assim se refere à sua experiência mística pagã, de invocação mágica dos deuses e numes do Pampa, diante de sua macieira sagrada do pomar, que está descrita magistralmente em certo capítulo do seu romance A Herança, e sucintamente no seu soneto "Todos os deuses", aqui postado. (lucia Welt)

* ... me internar"- Alma temia ser internada como afinal realmente o foi, numa Clínica pouco depois da data deste soneto. Mas não é verdade que queríamos interná-la. Fomos pegos de surpresa, quando ela sumiu num sábado e foi encontrada por nós que a procurávamos preocupadíssimos, em lamentável estado vagando no bosque, fora de si, com o vestido rasgado e arranhões nos seios e nas coxas, que suspeitamos como vestígios de estupro.(Lucia Welt)

domingo, 24 de agosto de 2008

Exorcizando (de Alma Welt)

Matilde veio logo me avisar
Que uma sombra rondou o casarão
E parou de frente ao nosso sótão,
Depois partiu no rumo do lagar.

"É o Valentim!" ela adverte-
"Que olhou para onde se enforcou,
Voltou para onde o vinho verte
E ali novamente se afogou."

E eu, a quem não custa espicaçar,
Saí no temporal e fui às uvas
Para o tal fantasma exorcizar:

"Perdoa, a ti me dou, tardia embora,
E me desnudo sob o frio de tuas chuvas
Que são as tuas lágrimas de outrora!"

(sem data)


Nota

Valentim- Para quem ainda não sabe ou não leu o romance autobiográfico da Alma "A Herança", Valentim Ferro foi o último proprietário gaúcho autêntico de nossa estância (antiga Querência Farroupilha, agora Sta Gertrudes) e que endividado acabou vendendo sua propriedade para o nosso avô Joachin Welt, em seguida por desgosto enforcando-se no sótão do próprio casarão. Alma conta como nosso avô narrou a ela ter encontrado o corpo de Valentim, ainda quente como o mate fumegante esparramado da cuia (e bomba) sob os pés do enforcado, este todo ataviado nas sua melhor bombacha, botas, esporas, faixa, chapéu, lenço vermelho farroupilha, e tudo.
Alma dizia ter tido vários encontros com o espectro do infeliz proprietário autêntico derradeiro, com o qual ela acreditava termos uma dívida insaldável, usurpadores que éramos desta propriedade farroupilha tradicional, nós, "boches arrivistas" que viemos plantar uvas numa terra tradicional de gado, charque e mate. (Lucia Welt)
Postado por Lúcia

domingo, 10 de agosto de 2008

O Portal (de Alma Welt)

Saí de manhã com cuia e bomba
A vagar por minhas velhas trilhas
Até rondar o bosque em sua lomba
Que nasce no sopé destas coxilhas.

Ali então penetrei chimarreando
Aquecida por dentro pelo amargo
Para ouvir a natureza despertando
E o meu alento bem mais largo.

E logo tomada de entusiasmo
Me pus a correr por entre os troncos
E a girar no centro de um orgasmo

Até desfalecer numa clareira
Cercada por seres nada broncos,
Abertos o Portal e a Fronteira...

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

A névoa e a Alma (de Alma Welt)

Quando a névoa ainda não se alçou
E paira sobre a relva confundindo
Céu e terra como quando começou
O mundo e Deus ainda estava urdindo

A tessitura de seu reino endiabrado,
Depois cheio de tesouros e magia,
Eu sinto que pertenço a este prado
E nutro-me de sua nostalgia.

Mas logo em alegria me desnudo
Pois orvalhada já em minha roupa
Posso sentir-me parte disso tudo:

De Deus o puro caos primevo e vago
Quando tudo ainda era parte dessa sopa
Do grande caldeirão do Eterno Mago...


(sem data)