sábado, 31 de janeiro de 2009

O casarão (de Alma Welt)


O casarão na noite- óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 30x40cm


Meu casarão é vivo e tem história
Mas também tristezas e rancores.
Por trás de sua velhice e sua glória
Há paixões, a sede dos amores.

É de noite que arfando mostra vida,
Cobrando suas dores e falências...
E eu saio a vagar entre as hortênsias
No jardim espectral da velha Frida,

Pra só voltar ao leito quando exausta
E quando já os galos predominam
Sobre os rumores desta casa infausta.

Então eu me desnudo e os convido,
Amores que em torno os ares minam,
A repousar em mim o seu olvido....

07/06/2006

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Os encantos da alma (de Alma Welt)

Nas sombras cristalinas do meu bosque
Eu andei desde pequena solitária
E aprendi a ver as fadas num quiosque
E a rainha em sua forma vária

Que me chamava assim ao seu convívio
Pra me ensinar as coisas encantadas,
Longe da aridez e do oblívio
Das almas em que elas são negadas.

E eu ainda hoje me admiro
Do paradoxo da negação de tantos,
Já que à própria alma sobra encantos

Apesar de estar no mundo camuflada
A refletir no corpo quase nada,
A não ser num olhar e num suspiro...

09/11/2005



Nota

Por minha vez encantada, acabo de encontrar este soneto encantador da Alma em sua Arca inesgotável de inéditos. Este soneto me parece que já nasceu como um "clássico"...
(Lucia Welt)

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

A Ilha dos Mortos- quadro de Arnold Boecklin


A Ilha dos Mortos- quadro de Arnold Boecklin 1827-1901


A Ilha dos Mortos de Boecklin (de Alma Welt)

Não pare de remar, ó meu barqueiro!
Faça jus à soma que lhe pago,
Não hesite perante o nevoeiro
Que já desce saudando o que aqui trago.

Ajude-me também co’este caixão
Pois sozinha não poderei plantá-lo
Num nicho desta ilha em solidão
Com só a minha dor a acompanhá-lo.

Ilha Fatal, eis que sou tripla refém,
De pé na proa, como tu a me alçar
Das águas que ousei atravessar

Desse Letes obscuro em que vogamos,
Com meu próprio caixão que me contém,
Nós três: um só, no barco que remamos...


18/01/2007

Nota
Acabo de descobrir este soneto na arca da Alma e que pela data foi escrito na antevéspera da morte da Poetisa. De profundo teor alegórico-metafísico, Alma parece ter interpretado o famoso quadro do Boecklin, que lhe inspirou o soneto, com o barqueiro, a figura de pé na proa e mais o morto dentro do caixão como sendo três faces do mesmo ser: o morto que chega por seus próprios meios à Ilha da Solidão.(Lucia Welt)

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Las Brujas (de Alma Welt )


As três bruxas- desenho de Hans Baldung Grien 1480-1545(Albertina, Viena)


A noite do meu bosque é de bruxedos,
E me preparo para ver coisas sutis.
É lua cheia, de feitiços e folguedos,
Para além do jardim dos mal-me-quis.*

Como sonâmbula à floresta me dirijo
Atraída como mariposa ao lume,
E atingindo do mistério o esconderijo
Como um "montañero" alcança o cume,

Eis que com “las brujas” me deparo,
Aquelas que "no creo pero existen",
As três, que em orgia ainda persistem:

Duas jovens, uma velha, e, nada raro,
Como votiva tocha um urinol
Em chamas, como insólito farol...

14/06/2006



Notas
*mal-me-quis -Alma se referia assim à ala de margaridas plantadas no nosso jardim por nossa mãe, a "Açoriana" de difícil relacionamento com minha irmã. Alma acreditava não ser amada pela Mutti, e isso foi motivo de dor durante toda a sua vida, apesar de sua vocação (ou esforço) para a alegria. (Lucia Welt)

Por ter sido avistada nua (!!) no no seu bosque uma vez, Alma foi vista por algum tempo como feiticeira. Mas somente entre os menos generosos...

Mas se os leitores interessados quiserem saber e sentir um pouco mais o que eram as incursões da Alma no seu bosque, sugiro que assistam estas cenas do filme francês de 1956, La Sorcière (A Feiticeira) com a linda atriz Marina Vlady (que me fez lembrar a Alma) no You Tube

http://www.youtube.com/watch?v=KNntLHWaxgU