domingo, 22 de novembro de 2009

Patética e inacabada (de Alma Welt)

O soneto é partitura do meu dia
E contém as notas, timbre e tom
De um andante meu na pradaria,
Dispondo se o concerto será bom.

Mas ao primeiro acorde inusitado
Regerei meu dia entre visões
E propensa a consultar o Fado,
Maestro verdadeiro... de ilusões.

Vê, o primo verso em tom saudoso
Já me arrasta em vã melancolia
Pelo longo adágio do meu dia...

Mas de minha sinfonia inacabada
O patético “finale maestoso”
Há de compor-se ao termo da jornada.

(sem data)

sábado, 21 de novembro de 2009

De feiticeiras, sopranos e contraltos (de Alma Welt)

Amar, grande mistério, é Deus em nós,
Assim como odiar é o Diabo.
E este dito perdura muito após
O tempo em que o cujo era invocado

Não só a torto e a direito nas igrejas
Mas na cozinha das velhas feiticeiras
Que com a feiúra e nariz de brotoejas
Aqueciam mais que nossas mamadeiras,

Mas asas de morcego e alguns sapos
Com o fio de cabelo de um incauto
Que ousara cuspir nos nossos trapos.

Bah! Miséria... do soprano até o contralto*,
Destino da mulher por tantos séculos,
Pernas abertas a sementes e espéculos!*...

(sem data)


Notas

*...do soprano até o contralto- Alma quer dizer: das mulheres frágeis até as mais fortes.

*...sementes e espéculos- significa a procriação e a tortura (espéculo, hoje em dia um instrumento médico ginecológico, era um instrumento de ferro para torturar mulheres nas masmorras da Inquisição. Sugestivamente, a palavra deriva do latim, speculum= espelho. (Lucia Welt)

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Arte em mim (de Alma Welt)

Dei-me cedo a mim mesma permissões
Que a Vida não daria de bom grado
A um astro, soberano ou potentado,
Mas no mundo interno: o das visões.

Aqui fui princesa e sou rainha,
Estrela maga, infanta, feiticeira.
Aqui a bela Terra é toda minha
E a minha visão é a verdadeira

Pois não há como de mim desencantar
O mundo que criei, de tão sutil
A diferença entre o ser e o avatar.

E se o Mistério há em toda parte,
Em mim cristalizou-se como arte
Com as palavras gravadas a buril....

(sem data)

sábado, 7 de novembro de 2009

O Sonho do casarão (de Alma Welt)

À meia-noite o sonho começava
Após a badalada derradeira,
Como doze golpes numa aldrava
De outra grande porta de madeira

Que não a do próprio casarão
Mas do castelo em festa, revelado,
Que há aqui mesmo no sobrado
E que emerge das sombras do porão

Lá onde as garrafas dormem cheias
E esperam, cada vez mais preciosas
Um novo tempo de vinhos e de rosas

Que só ocorrerá no mesmo sonho
Pois o Tempo suspenso tece teias
Que enredam o real reino tristonho.

(sem data)